Naquele dia caminhavam juntos. Era uma estrada torta. Não enxergavam muito adiante. Não se via além de algumas curvas. Era uma estrada torta. E caminhavam juntos, enquanto cada um olhava em silêncio o rastro de pegadas que deixava para trás.
O meio, o presente, era quase imperceptível. Caminhavam juntos. Escondiam medos no peito vazio. E em suspiros longos o amor abrigo. O amor era abrigo guardado. O segredo era a paciência. O fato mais bonito do dia era quando as mãos levemente se tocavam. O tato lembrava a companhia. Os dedos aqueciam o corpo. Etérico demais.
-- Ei! Pare!
- O que foi?
-- Eu preciso parar.
- Agora?
-- Sim.
- Mas porquê?
-- Porque é uma estrada. Só caminhar já me cansou.
- Você só pode estar me zuando! Nem começamos ainda.
-- Você quer chegar onde?
- Quero chegar num lugar mais seguro. Quero sair dessa terra leve e alcançar o chão sólido. Onde seja melhor pra pisar.
-- E onde fica esse chão?
- Sei lá. Fica para além.
-- Como você pode ter certeza se as curvas ofuscam a vista?
- Porque é o que dizem. Vamos!
A noite chegou mais fria. Ela dormiu. Ele avistou uma montanha muito alta, pouco iluminada, que ficava perto dali. Logo pensou em dormir e acordar para levá-la lá. Tinha uma ideia. Mas o sono não veio. Quando se tem uma ideia ou uma vontade forte no coração não há espaço pra sono.
Ele a olhava dormir. Sonhava sozinho. Sabia que seria um dia duro amanhã. Suspirou. E o amor se colocou novamente guardado. A chave era a paciência.
-- Bom dia, flor!
- Bom dia, raio de sol. Você vem sempre aqui?
-- Nunca estive aqui antes. Não é lindo?
- Oi?
-- É sim.
- Ei! Temos que ir.
-- Você confia em mim?
- Eu não funciono muito bem pela manhã. Posso responder a noite?
-- A noite você tem sono. Tente responder. Estamos nessa estrada juntos, você confia em mim nessa caminhada?
- Se não confiasse em você não estaria nisso com você!
-- Então vamos. Preciso te mostrar uma coisa que vi essa noite enquanto você dormia.
- Tá bom. Vamos.
Ela confiava. Ele sabia que confiava, afinal estavam juntos.
- Onde vamos?
-- Subir uma montanha.
- É? Deixa eu pegar meu tênis então.
-- Deixo.
Sim, ela era bundona. [...] Subiram a montanha e chegaram no topo, suados.
-- Eu te trouxe aqui pra te mostrar algo muito importante. Você consegue ver aquele pedaço de chão lá em baixo?
- Sim.
-- É a nossa estrada.
- Sério? Parece tão pequena daqui. Parece tão diferente. Que lugar bonito ao redor.
-- Sabe esse ao redor? Faz parte da estrada. São lugares onde as pessoas quase nunca vão. Estão sempre tão focadas na estrada que nem percebem que existem paisagens. É só parar um pouco pra respirar e procurar.
- É lindo.
-- Foi o que eu disse lá em baixo.
- É sim.
Pela primeira vez nesse caminho eles deram as mãos com vontade. Não queriam sentir aquela beleza sem o toque.
- Olha! Eu consigo ver a estrada toda agora.
-- O que acha dela? Consegue ver o seu chão sólido?
- Não! =(
-- E o que você acha do chão do topo da montanha? Não parece bom estar aqui?
- Sim. Eu nunca estive aqui antes.
-- Nem eu.
- Será que podemos ficar aqui mais um pouco?
-- Claro que sim. Se você se esquecer um pouco do caminho podemos passar mais tempo aqui. Mas há algo a mais nisso tudo.
- Como assim?
-- Nós não podemos deixar de caminhar. A estrada parece longa lá em baixo. Mas aqui de cima eu vejo que não é tão longa assim. Parece tão rápida. Parece tão incerta e até mesmo frágil.
- Como a vida.
-- É a vida!
...
-- Sabe. Do que adianta correr tanto em busca de um lugar melhor se a gente pode aproveitar cada paisagem nessa estrada cheia de curvas?
- Não é perigoso desafiar a natureza dessa forma?
-- A natureza também tem a sua estrada. Veja o que ela nos oferece. São coisas maravilhosas. Ela nos deu a vida e agora os passos são nossos. A natureza é para ser respeitada. Mas o caminho é nosso.
- Não é tão fácil.
-- Eu não posso continuar correndo tanto assim ao seu lado sem pegar a sua mão e te tirar do foco para ver lugares tão bonitos. Nós aprendemos a trilhar esse caminho. Muita coisa nessa estrada é imposta. Se a gente não parar as vezes. Se a gente não desafiar a natureza será uma estrada comum. Quem seguiu assim e chegou ao fim contou a mesma história. Eu quero chegar ao fim e com lembranças de montanha. De pegar a sua mão em lugares onde poucos estiveram. Simplesmente porque a estrada fica muito mais prazerosa assim.
...
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